quinta-feira, 8 de julho de 2010

O ESPÍRITO DA LEI Nº 10.216/01


Texto elaborado e gentilmente cedido pelo Advogado André Hollanda
http://jusadvogado.blogspot.com/

Cuidado. Como substantivo, adjetivo ou interjeição é zelo dos preocupados, esmero, precaução, advertência para o perigo, vigilância, dedicação, encargo, lida, proteção. Atenção, tomar conta, acolher. Cuidado é o princípio que norteia essa lei. Evoluir a clínica, fazer do intratável o tratável. É essencial o apoio social e familiar que influencie comportamentos, mude hábitos, confronte preconceitos, classificações, nosologia, catálogos de interdições. Dedicada a cidadãos enfermos vistos como sem vontade, liberdade, autonomia porque foram colhidos pelo “mal de viver”. Não é a doença mental que a lei questiona, mas a maneira de tratá-la.

A sociedade cria e recria normas para definir o que rejeita e consagra. Faz-se progressista na área da saúde por atitudes, mais do que por atos. Assim, inscrever o doente mental na história da saúde pública, aumentando sua aceitação social, diminuindo o estigma da periculosidade e incapacidade civil absoluta, contribui para elevar o padrão de civilidade da vida quotidiana. A doença mental não é contagiosa, dispensa isolamento. Não pode ser compreendida como estritamente orgânica apaziguada só pela quimioterapia e os remédios. Claro, é o avanço da medicina e da farmacologia que permite a reinserção social, convivência, restituindo o indivíduo, sua alma e desejos, ao mundo dos vivos. A medicina não deve ser carceral para não ampliar a solidão moral do paciente como se sua doença criasse para ele um mundo do não direito.

Acolhimento, tratamento precoce melhoram a evolução e a direção da doença. Agir antes do surto para não ferir, ferir-se, quebrar. Sintomas físicos, queixas, mal-estar, sempre foram indícios de várias enfermidades. Melhorar a escuta geral dos sintomas aparentemente sem importância – dores de cabeça, tremores, dores abdominais, cansaço extremo, falta de ar, agravado pelo embrulho e o ruído da adolescência: álcool, droga, conflito de gerações, esquisitices, vazio existencial, impa­ciência com o diferente.

Saúde não é ausência de doenças. É um estado geral de bem-estar físico, psíquico e social, como bem define a Organização Mundial da Saúde. A doença não é um fracasso. É um evento na vida da pessoa que não cria para ela um estatuto de exilado em relação ao que é ou está normal. É um processo que exige observação tolerante, preservação de direitos. A internação é uma parte do tratamento, mas não seu sinônimo, e o conceito de leito, neste caso, não se harmoniza com a terapia adequada. A medicina da mente e suas galáxias têm que se abrir a uma certa imprecisão e passar a duvidar que cada comportamento corresponda a um medicamento. Há muita depressão na sociedade impaciente com os seus doentes.

A sofisticação do diagnóstico é que relativiza a classificação da doença, eis o paradoxo atual. É preciso modéstia diante do sofrimento. Não é porque não sabe, mas porque sabe que a psiquiatria, psicanálise, psicologia e psicoterapia modernas, baseadas em valores humanos, psicopatologia da experiência, fundam a reforma psiquiátrica. A internação como privação da liberdade, monoterapia, só prevalece em serviços despreparados.

O doente mental é também beneficiário do ambiente jurídico oriundo da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, como qualquer outro paciente. Seu tratamento não é um ato cirúrgico desde que foi abolida a lobotomia. Só a avaliação permanente do tratamento livra a psiquiatria da ideologia. Não há sucesso médico-terapêutico sem afeto, cultura, história da doença, escuta do sofrimento, subjetividade.

Como bem sabia e praticava Dra. Nise da Silveira, precursora da lei.

Se eu soubesse de alguma coisa útil à minha nação que fosse danosa a uma outra, eu não a proporia, porque sou homem antes de ser nacional ou, ainda, porque sou necessariamente homem, não sendo nacional senão por acaso.

Se soubesse de alguma coisa que me fosse útil e prejudicial à minha família, meu espírito a rejeitaria.

Se soubesse que alguma coisa que fosse útil à minha família e que não o fosse à minha pátria, buscaria esquecê-la.

Se soubesse de alguma coisa que fosse útil à minha pátria e que fosse prejudicial ao meu continente ou que fosse útil ao meu continente e prejudicial ao gênero humano, eu a veria como um crime.

É de Montesquieu o espírito da lei.

Fonte: Revista Jurídica Consulex nº 320

Um abraço
Nunca parem o tratamento
TBH

Um comentário:

Anônimo disse...

Saúde não é ausência de doenças. É um estado geral de bem-estar físico, psíquico e social, como bem define a Organização Mundial da Saúde. A doença não é um fracasso. É um evento na vida da pessoa que não cria para ela um estatuto de exilado em relação ao que é ou está normal. É um processo que exige observação tolerante, preservação de direitos.PERFEITA DESCRIÇÃO!!!MTO BACANA O SEU BLOG!!!VOU INDICÁ-LO NUM ESPAÇO DE DIVULGAÇÃO DO MEU.Venha me visitar tbm.O endereço é http://vivi-da.zip.net/
Abs (^;^)